No último mês de Maio cumpriram-se 90 anos, desde a publicação de QUADRAGÉSIMO ANO, célebre encíclica papal de Pio XI, por ocasião da comemoração do 40º aniversário da não menos célebre e fracturante encíclica do Papa Leão XIII, com o sugestivo título de “Rerum Novarum” publicada, portanto, há 130 anos.

É impressionante, mau grado o longo tempo decorrido, a actualidade e pertinência destes dois documentos históricos, que marcaram a tomada de um claro posicionamento político e social da igreja católica, nos finais do século XIX e início do século XX, em relação as questões das empresas, trabalhadores e sociedade em geral.

Esta reflexão vem a propósito do acalorado debate que se trava, nas redes socias e na mídia tradicional, sobre a oportunidade e conveniência da alteração da Lei Geral do Trabalho, que de resto, desperta paixões e aguça o interesse da sociedade.

É importante situar a elaboração das referidas encíclicas, no tempo e no espaço, para perceber o contexto em que tão ricas ideas desabrocharam.

Rerum novarum, teve como pano de fundo os movimentos políticos sociais ligados a luta do proletariado, em finais do Sex. XIX e Quadragésimo ano, teve como pano de fundo, a grande depressão dos anos 30. É pois perceptível, que tanto uma quanto a outra, tenham a questão social, como tónica dominante da narrativa.

Embora estejamos longe do contexto político e social que se vivia na altura, não podemos ignorar os inúmeros desafios económicos e sociais, que o mundo em geral e Angola em particular, actualmente enfrentam. Pelo que, o paralelismo e eventual colagem que se faz, não parecem surgir a despropósito.

Com efeito, propomos-vos, uma breve reflexão, sobre as valiosas e apelativas lições, que se podem extrair do manancial de ideias contidas nas cartas que nos foram legadas pelos ilustres sucessores de Pedro, cujo alcance político e social, há muito que rompeu as tradicionais fronteiras do catolicismo e do cristianismo em geral, tendo-se imposto, com todo mérito, na  leque das grandes publicações mundiais e de referência obrigatória.

  1. A primeira lição que resulta da leitura da carta papal, tem a ver com a valorização do trabalho e a colocação da dignidade do trabalhador no centro de todas as decisões.

 “O trabalho é a fonte única da riqueza nacional.” Afirmava enfática e categoricamente, Leão XIII. Não posso estar mais de acordo.

Creio que, enquanto País, temos de aprender a valorizar e a fomentar o trabalho digno para todos, se quisermos lograr sucessos.

O prelado faz, na referida encíclica, uma verdadeira apologia a necessidade de se praticar o justo salário. “O justo valor da paga deve ser avaliado não por um, senão por vários princípios.” Que, felizmente, encontra eco, nos artigos 1.º  e 23.º  da Constituição da República de Angola, cujo recorte, destaca a necessidade do respeito pela dignidade da pessoa humana.

  1. A segunda lição, está directamente relacionada a necessidade da união e do envolvimento de todas as forças vivas da nação no processo de desenvolvimento económico social.

A dada altura, afirmam os prelados: “nunca um País se ergueu da miséria e pobreza a uma fortuna melhor e mais elevada, sem a colaboração ingente de todos os cidadãos, tanto os que dirigem o trabalho, como os que o executam”.

 Há aqui um repto claro, para a cultura de diálogo permanente, entre trabalhadores, empregadores e classe política, para o bem comum.

Ademais, as encíclicas encorajam e defendem, com algum entusiámos, a necessidade de criação de associações operárias e não operárias, bem como as associações industriais.   A Constituição da Republica de Angola, não passou ao largo deste imperativo categórico e consagrou, de forma expressa, nos artigos 48º, 49º e 50º, a liberdade de associação  e a liberdade sindical.

  1. A terceira lição é da LIBERDADE, e o sublinhado é propositado.

Muito a frente do seu tempo, mercê dos ventos de mudanças que resultes do século das luzes, João XXIII, secundado por Pio XI, fazia veemente apologia da liberdade:

Deve sim deixar-se, tanto aos particulares como às famílias a justa liberdade de acção, mas contanto que se salve o bem comum e não se faça injúria a ninguém.”

  1.  Deixam-nos também, uma importante lição, relacionada a necessidade de protecção das classes mais desfavorecidas.

A ideia segundo a qual, a justiça, pressupõe o tratamento igual para as situações semelhantes e diferenciado, para as situações desiguais.

 “Aos governantes compete defender toda a nação e os membros que constituem, tendo sempre cuidado especial dos fracos e deserdados da fortuna, ao proteger os direitos dos particulares. Porquanto, a classe mais abastada, munida dos seus próprios recursos, carece menos de auxílio público, pelo contrário a classe menos afortunada, desprovida de meios pessoais, esteia-se, sobretudo na protecção do estado.”

Poderiámos, se quiséssemos, continuar indefinidamente a desfilar o rosário das ricas e preciosas lições que as cartas em causa nos legam, porém, não há espaço nem tempo suficiente para se fazer a justa recensão que se impõe.

Permitam-nos que partilhemos mais duas notas, em jeito de conclusão: PIO XI deixa claro que a defesa da propriedade privada e da prosperidade, não está dissociada da moralidade. É, com efeito, possível incentivar o enriquecimento e a prosperidade social, tendo como base, a bitola da moralidade.

Não há, com efeito, na doutrina social da igreja, uma hostilidade declarada contra os ricos e abastados, muito menos, uma especial aversão contra os empresários e empreendedores, antes pelo contrário.

Desengane-se, quem achar que os mesmos tinham inclinações ideológicas de esquerda, não obstante o discurso marcadamente social, das encíclicas que temos vindo a citar.

Como lapidarmente afirma PIO XI, se é verdade que o liberalismo se mostrou incapaz de resolver convenientemente a questão social, também é verdade, que o socialismo propõe um remédio muito pior que o mal que pretende combater.

A alteração da legislação laboral é, em toda parte do mundo, um tema fracturante. Mas nem por isso deixa de ser uma oportunidade para que todas as forças vivas da nação, coloquem os seus interesses de parte e privilegiem, sobretudo, o interesse público.

É por este facto, que o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, engajou, na comissão encarregue de avaliar a oportunidade e conveniência da alteração da Lei Geral do Trabalho, várias sensibilidades, nomeadamente, os membros das três forças sindicais mais representativas, os representantes da Associação Industrial de Angola, Câmara de Comércio e Indústria, Grupo Técnico Empresarial, Académicos das Universidades Agostinho Neto e Católica de Angola, com o firme propósito de aprovar uma legislação o mais consensual possível.

Há aqui material suficiente para aprimorar as nossas reflexões. Somos todos chamados a participar deste interessante processo, num espírito de patriotismo e abertura e respeito mútuo.

Pedro José Filipe